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Voltaire está em um café, com seu notebook, pensando nos personagens do seu livro. Cândido poderia ser o funcionário de uma empresa. Um gerente de vendas que estava muito bem em seu reino corporativo até ser flagrado apalpando uma tal de Cunegunda, filha do CEO, e mandado embora por justa causa.

Pangloss poderia ser seu psiquiatra, lhe dizendo que os infortúnios fazem parte da vida, que as dores são como as sombras de um quadro maior e, para provar que tudo é perfeito, ainda que na sua imperfeição, existe sempre o consolo de um tarja-preta. Ou Pangloss poderia ser um pastor evangélico, pronto para aconselhar seu cândido rebanho: cada um tem a cruz do tamanho que pode carregar. Além disso, para o liberalismo prosperar, alguns sacrifícios precisam ser feitos. Não pense em crise, trabalhe, ele ainda diria a Cândido, que, sem grana e depauperado de seus direitos trabalhistas, partiria para tentar ilegalmente a vida em Portugal e em outros países.

Em Lisboa, Cândido e seu inseparável pastor, também crente de que a terra é plana e seus recursos são infinitos, poderiam ser surpreendidos por uma onda de calor mortífera, causada pelo aquecimento global. Pangloss não esmoreceria, argumentando que o calor excessivo não é algo novo, desde os primórdios eventos assim acontecem na Terra. E depois, se há uma onda de calor em Lisboa, ela não poderia estar em outro lugar. Porque é impossível que as coisas não estejam onde estão. Pois tudo está bem.

Talvez não para Cândido que, por novos infortúnios, logo perderia a companhia de seu adorado Pangloss e ainda seria deportado. Mas como tudo sempre está bem, conheceria Cacambo, um refugiado que passará a acompanhá-lo na busca por um sub-emprego e um reencontro com sua velha paixão Cunegunda.

Talvez esse reencontro nunca aconteça. Ou, ainda melhor, aconteça várias vezes, mas sempre com uma Cunegunda inacessível. Primeiro casada com algum playboy argentino, depois divorciada mas trabalhando como escrava para alguma multinacional. E, por fim, livre para viver um amor, mas desfigurada pelas plásticas e preenchimentos que fez com um cirurgião de segunda linha para parecer mais jovem e se recolocar no mercado de trabalho.

Ou talvez Voltaire não pensasse em nada disso, dando a seus personagens outros tristes destinos. De qualquer maneira, uma coisa é certa: sentado em um café em uma tarde do século XXI, não lhe faltaria inspiração para criar Cândidos, Planglosses, Cunegundas, Cacambos e injustiças vistas pela lente cegante do otimismo e da conformidade. O que só ressalta a riqueza de sua obra e a necessidade de que seja lida e relida até que todos os cidadãos acordem de um histórico e infinito sonho cândido.

 

Giovana Madalosso nasceu em Curitiba, e hoje vive em São Paulo. Formada em jornalismo pela Universidade Federal do Paraná, já trabalhou como redatora e roteirista de séries. Publicou diversos livros, dentre eles Tudo pode ser roubado e Suíte Tóquio, ambos publicados pela Todavia. Escreveu este texto sobre a obra Cândido, ou o Otimismo, de Voltaire, especialmente para a Antofágica.

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